Todas as vezes que estamos vivenciando ou passando por um processo de transformação, nos é exigido “soltar” e/ou aceitar algo. Isso em todos os âmbitos da vida. Quando temos que mudar de trabalho, seja por decisão própria ou involuntária, haverá uma etapa em que teremos que deixar o anterior e começar algo diferente. Se mudamos de bairro, casa, cidade, estado ou país, a mesma coisa. Quando estamos transitando de uma etapa escolar para a outra, esse processo também ocorre. E, se pensamos nas etapas da vida, essas forças estão presentes. Afinal, iniciar um novo ciclo de vida, seja para ser pai ou mãe, começar as atividades profissionais, desacelerar para entrar num ritmo mais apropriado quando envelhecemos, vamos transitar nesse movimento de “soltar” e aceitar. Às vezes, não percebemos que estamos fazendo essas passagens. Outras vezes, se tornam mais perceptíveis e conscientes. Entretanto, o que podemos afirmar é que sempre existe um período de transição. E devemos entender que, o desafio das Jornadas de Transformação tem a ver com esse período de transição e, não necessariamente com o resultado final, isto é, chegar no estado futuro.
O desafio de “soltar” e aceitar durante uma Jornada de Transformação
Diante de uma Transformação Organizacional, esse desafio tem que estar na pauta do time responsável, que deverá definir uma solução com iniciativas que abarquem a transição de forma integrada. A diferença de outras situações que mencionamos é que, na organização, quase sempre a decisão é externa, ou seja, a empresa quem decide ou é pressionada a mudar. E, como consequência, as pessoas que trabalham nela, terão que passar pelo processo. Nesse movimento existem essas 2 forças que vamos explorar mais exaustivamente nesse artigo:
- Deixar ou “soltar” algo do passado;
- Aceitar o novo estado
Desafios durante o período de transição nas Jornadas de Transformação
Como facilitar a transição numa Mudança Organizacional
Essas forças estão operando nos grupos envolvidos, só que atuando individualmente, isto é, cada um está no seu processo para equilibrar e lidar com essas forças. As pessoas reagem às mudanças de forma diferente. Portanto, o ato de “soltar” e de aceitar será distinto para cada indivíduo, bem como o ritmo para que isso aconteça. O fato é de que ambas forças começam a gerar uma certa tensão e pressionam as pessoas.
Além das forças presentes, ao sinalizar que existe uma necessidade de transformação, é comum a incerteza, insegurança, receios na organização por mais que todas as comunicações sejam promissoras e com foco no positivo. Logo, um sentimento bastante comum começa a predominar no ambiente, o medo. O medo é, normalmente, o que move mais ou menos ambas forças.
Para concretizar mais o tema, talvez seja pertinente apontar alguns exemplos tangíveis e intangíveis que rodeiam ambas forças durante uma mudança organizacional. Começamos pela força do “soltar”:
- Dificuldade de “soltar” uma atividade a qual estava muito acostumado (a);
- Limitação de “deixar ir” um comportamento ou atitude que foram ou são valorizados;
- Dificuldade de “soltar” uma rotina laboral que torna meu trabalho mais cômodo e que me mantém numa zona de conforto;
- Deixar de me relacionar com certas pessoas e áreas (rompimento definitivo) ou ter que atuar de maneira distinta;
- “Soltar” informações ou conhecimentos que acredito serem valiosos e que me destacam dos demais;
- Deixar uma posição de poder ou que exerça influência sobre os demais.
Poderíamos listar mais exemplos, no entanto, preferimos deixar para você refletir sobre outros, considerando o seu entorno e a sua própria limitação de deixar ou “soltar” num processo de transformação.
E queremos dar um pouco de luz sobre a aceitação, que está em linha com alguns exemplos da força anterior, pois afinal é o passo seguinte quando existe uma Jornada de Transformação. Relacionado à força da aceitação podemos destacar:
- Aceitar um padrão, procedimento ou processo que desconheço ou que rejeito ou não acredito;
- Aceitar uma nova linha de reporte e/ou a incorporação de novos relacionamentos;
- Aceitar um novo papel, que demanda capacidades que ainda não disponho e preciso adquiri-las ou desenvolvê-las;
- Aceitar a necessidade de capacitação e/ou desenvolvimento específico, especialmente para aqueles que tem mais tempo na empresa e/ou mais idade;
- Aceitar que não conseguirei me acoplar às novas exigências ou modelo desejado pela empresa;
- Aceitar que terei que tomar outros rumos na minha carreira em função da mudança;
- Aceitar a possibilidade de ser desligado da empresa.
Tanto os exemplos da força do “soltar” quanto do aceitar, possuem como pano de fundo o medo. Esse medo, muitas vezes, está associado à vulnerabilidade, isto é, expor as debilidades e limitações. Portanto, o período de transição numa mudança organizacional precisa lidar com o tema da vulnerabilidade, criando e propiciando espaços onde as pessoas possam se sentir seguras para minimizar o nível de stress que ambas forças exercem nos processos dos indivíduos.
Mas como será que podemos facilitar o processo de “soltar” e aceitar dos envolvidos numa mudança organizacional?
Não é tão simples realmente. Essas forças estão presentes em qualquer situação de mudança pessoal ou de um sistema organizacional. Para explorar um pouco as possibilidades do que fazer, apresentamos duas situações:
Situação 1: Uma pessoa dependente de qualquer substância tóxica percebe (toma consciência) de que se não “soltar” o que está fazendo nesse momento, poderá morrer;
Situação 2: Um marido que está fazendo terapia para apoiar o término do ciclo amoroso com sua esposa, que o deixou para entrar numa outra relação.
Colocamos essas situações para mostrar que as etapas do período de transição não são muito diferentes de uma Jornada de Transformação Organizacional. As fases que essas situações e, um processo de mudança na empresa terão que passar incluirão:
- Falar sobre a situação atual e reconhecer as dificuldades;
- “Olhar” para a situação de forma objetiva, sem os desvios das próprias “lentes” que, por vezes, nos querem enganar;
- Tomar consciência e compreender a necessidade de mudar (parte da aceitação);
- Avaliar a possibilidade de “soltar” e identificar o que é preciso deixar ou mudar (sentimentos, comportamentos, hábitos, atitudes, etc);
- Começar a incorporar algo novo da situação futura na vida ou no trabalho
Embora essas etapas sejam semelhantes nas organizações, é muito comum vermos que as empresas costumam celebrar o final de uma transformação, apontando os excelentes resultados tangíveis, porém vemos os pedaços intangíveis que foram deixados pelo caminho. E esses pedaços, muitas vezes, estão relacionados com essas forças que não foram bem trabalhadas durante a transição, mas que tiveram que se acomodar a “fórcipes”.
Logo, para que uma Jornada de Transformação possa lidar com essas forças durante a transição, a mesma terá que trabalhar o mais próximo possível das pessoas envolvidas. Deverá criar soluções e iniciativas que propiciem que as pessoas tenham espaços de confiança para expressar seus medos, expandindo sua vulnerabilidade. Isso não é muito praticado no universo corporativo, porque alguns outros componentes entram em “jogo”, no entanto, para que, de fato, haja uma transformação exitosa é fundamental “mexer” nesses campos.
Claro que, durante o período de transição, nem todos conseguirão “soltar” 100% tudo o que é preciso para dar início ao ciclo de aceitação. E também é óbvio que, nem todos aceitarão 100% tudo. Mas o que não podemos fazer é negligenciar essas forças, porque são elas que, quando bem trabalhadas, permitirão que a Jornada de Transformação ocorra de forma mais harmônica e eficaz, permitindo que haja o desenvolvimento e a adoção do novo por parte dos envolvidos.
Quando não existem iniciativas voltadas para atuar nessas forças, a transformação tende a “fingir” que ocorreu e, o que vemos, são resquícios negativos. Ficam os fragmentos não desejáveis na organização que, muitas vezes, serão difíceis ajustar posteriormente, pois quem não “soltou” continuará fazendo e atuando nos padrões antigos. E quem não “aceitou” verdadeiramente, não estará satisfeito (a) realizando o que foi proposto e idealizado, podendo ter boicotes, baixa produtividade e pouco comprometimento. O pior cenário é quando o desafio da Jornada está relacionado com mudanças de atitude e comportamentos, cujos impactos de uma má transição poderão impactar fortemente nos resultados finais.
Por isso, é preciso ter em mente o efeito dessas forças numa transição e criar mecanismos eficientes e soluções humanas que assegurem que a maioria das pessoas esteja envolvida. Durante a transição, as pessoas precisam ser estimuladas a expandir a consciência sobre a situação atual para compreender e reconhecer os “gaps” existentes para atingir o estado futuro. É preciso também, que as pessoas sejam convidadas a falar sobre seus sentimentos, especialmente que tenham a possibilidade de expor suas vulnerabilidades. Logo, é preciso criar espaços e relações de confiança. Também, é fundamental sinalizar que serão preparadas e recompensadas de alguma maneira ao longo do percurso. Sem essas iniciativas, as possibilidades de ter sucesso nas Jornadas de Transformação Organizacionais serão menores.
Quais são as estratégias para atuar com as forças do “soltar” e aceitar numa transformação organizacional?
Para elaborar uma estratégia mais integrada, apresentamos a figura abaixo, extraída do Arquétipo da Quadrimembração da Antroposofia, de Rudolf Steiner, com os detalhes dos 4 níveis do Arquétipo:
O que podemos ver nesse Arquétipo é que uma organização possui 4 níveis, bem como os indivíduos que formam parte dela. Esses níveis para que estejam conectados e aderentes, dependem de pontes que os vinculam. Para cada nível existe uma “ponte”. Essas pontes podem ser construídas ou derrubadas quando um dos lados sofre uma mudança/transformação.
Esse arquétipo nos ajuda a definir ações e iniciativas que podem atuar nas forças que estamos discutindo aqui: “soltar” e aceitar. Para deixar mais claro, detalhamos o que é sugerido para cada nível, de forma que as “pontes” sejam fortalecidas durante o período de transição de uma Jornada de Transformação Organizacional:
Nível Identidade: Nesse nível, a “ponte” é da Identificação. A recomendação é que sejam elaboradas iniciativas de comunicação bastante claras sobre o que ocorrerá desde o início da Jornada para que todos compreendam o processo, a visão futura, os objetivos e benefícios. Essas iniciativas devem percorrer todo o percurso e tem que ser claras e objetivas o suficiente para permitir aos indivíduos todas as explicações possíveis. O objetivo é dar conceito, informação, explicação e clareza. Dessa forma, fortalecemos a Identificação do lado do indivíduo com a organização, que estão relacionados com aspectos como: Missão, Objetivos estratégicos, visão, valores. Tem que fazer sentido para o indivíduo (no nível do PENSAR) para que a “ponte” seja fortalecida e mantida.
Nível das Relações: A ponte desse nível se chama Motivação. E para fortalecê-la nas transições, a recomendação é abrir os canais de escuta e permitir que as pessoas tenham onde e com quem falar sobre os sentimentos que a mudança está causando. É importante permitir que exponham suas vulnerabilidades num ambiente seguro e de confiança. As pessoas que conduzem esses processos têm que possuir o viés humano bastante ampliado. Ao fortalecer essa “ponte”, as pessoas deveriam se sentir mais motivadas e abertas ao estado futuro. Ao mesmo tempo, será possível capturar as preocupações e áreas de atuação para ajustar o plano da Jornada. Tem que conectar com o coração do indivíduo (no nível do SENTIR).
Nível dos Processos: A “ponte” desse nível se refere à Dedicação. Quando há aderência entre o que o indivíduo gosta de fazer na empresa (tarefa). Para fortalecer é preciso capacitar, treinar e desenvolver as pessoas na transição para que se sintam seguras para operar suas novas funções e tarefas. Quando não se sentem seguras do que farão e como, podem resistir e rejeitar. As capacitações aqui são técnicas e comportamentais. Dessa forma, cultivamos a vontade de fazer do indivíduo e fazer bem.
Nível dos Recursos: E por último, temos o nível dos Recursos do lado da organização que se relaciona com o Corpo Físico do lado do indivíduo. Essa “ponte” tem a ver com o retorno material ou de reconhecimento. Portanto, numa transição é preciso pensar em mecanismos de recompensa, comemoração e celebração da mudança para fortalecer a “ponte” da Segurança e mantê-la forte e consistente. Nem sempre tem a ver com remuneração, mas com diversos tipos de reconhecimentos e recompensas. Temos que atuar no sentimento de reconhecimento do indivíduo para que se sinta bem e seguro (a).
Além dessas ações e iniciativas, recomendamos também avaliar a chegada de novos profissionais ou substituições, pois as transformações, às vezes, exigem que novos membros sejam incorporados para que venham com menos “amarras” e com maior aceitação em todos os níveis da organização. Claro que essa ação deve ser feita com muita cautela e alinhada ao plano. Entendemos que pode ser uma estratégia eficaz, dependendo do cenário e contexto.
Para encerrar, deixamos algumas questões reflexivas para que você possa se auto avaliar sobre essas forças, bem como possa verificar como elas ocorrem nos contextos onde está inserido (a): Como você lida com as forças do “soltar” e aceitar na sua vida? Ou com o fato de aceitar que é preciso deixar algo? Quando percebe que existem barreiras para “soltar”, de que natureza são essas barreiras? De onde elas vêm?
Nos contextos em que você está inserido (a), como são conduzidos os períodos de transição numa transformação organizacional? As forças que mencionamos aqui são levadas em consideração e trabalhadas junto às pessoas?