Será que usamos os mesmos tons e pincéis para conceber uma solução e facilitar as Jornadas de Transformação nas organizações familiares? Essa é uma pergunta bastante dúbia e dependerá muito do cenário e contexto. Entretanto, o que podemos assegurar é que o perfil do profissional que assume esse desafio tem que estar repleto de capacidades sutis e muita flexibilidade e adaptabilidade para lidar com esses ambientes onde o que prevalece, na maioria das vezes, são as relações familiares e societárias bastante marcadas e complexas.
Principais necessidades das empresas familiares ao pedirem suporte à uma consultoria.
Desafios enfrentados nas empresas familiares em contextos de Jornadas de Transformação.
Para começar a explorar esse universo particular das empresas familiares é válido destacar quais são as necessidades que surgem dos donos, sócios-fundadores e/ou sócios quando pedem auxílio e suporte de consultorias especializadas em processos e programas de mudança e transformação:
Expansão e crescimento: momento em que a empresa está passando por uma necessidade de expandir mercado ou suportar o crescimento, que pode ou não ter ocorrido de forma acelerada e sem planejamento dentro do setor em que atua. Solicitam ajuda nesse processo de crescimento com o objetivo de aportar maior estruturação e processos.
Profissionalização da empresa: após crescimento ou junto com a expansão, a empresa percebe que se faz necessário profissionalizar os colaboradores, bem como começa a sentir falta de uma estrutura mais formal e menos familiar. As solicitações giram em torno de formar times de gestão e liderança, tanto no nível estratégico quanto tático e operativo. Além disso, começam a perceber a importância de instituir uma cultura mais profissionalizada de maneira geral na empresa.
Processos de integração e engajamento: solicitação de programas e formações que visam integrar e/ou engajar os colaboradores para melhorar os serviços e o clima da empresa. Essa demanda pode nascer devido aos momentos de crescimento e expansão da empresa ou quando existe alguma crise eminente ou já instalada para atuar como planos de melhoria.
Além dessas demandas, outras relacionadas a desenvolvimento e treinamento também são requeridas, no entanto não trataremos aqui por serem classificadas como processos mais pontuais e específicos, diferente das Jornadas que levam mais tempo e implicam em reais transformações.
Na grande maioria das vezes, as demandas das empresas familiares são explicitadas por essas naturezas de necessidades. É comum que o solicitante não tenha certeza do que realmente necessita para as melhorias desejadas ou necessárias O fato é que percebem a importância de tratar alguns temas relevantes e buscam ajuda e suporte. Ao receber a demanda, nos aproximamos mais do cenário e contexto por meio de conversas, na sua maioria, com os donos, sócios e fundadores. A partir dessas interações, começamos a compreender quais são as reais necessidades. As interações se dão por meio de entrevistas formais e estruturadas, cuja finalidade é compreender a situação atual e o objetivo esperado com o suporte de uma consultoria especializada. Após essa primeira etapa junto aos decisores, quase sempre percebemos que as soluções requeridas exigem mais robustez e amplitude para poder endereçar os pontos de maneira sistêmica e integrada. Isso se deve ao fato de que as soluções deverão incluir, essencialmente, os aspectos familiares da gestão vigente, bem como da cultura da empresa, que na maioria das vezes, é informal – muito familiar.
Portanto, as soluções para atender as empresas familiares devem ser rabiscadas com muita arte e sutileza, já que nos defrontamos com muitos mais aspectos humanos e familiares. O fator familiar, muitas vezes presente no dia-a-dia da empresa, exigirá uma atuação bastante imparcial da consultoria e muita adaptabilidade para lidar com os contextos familiares contidos na rotina e dinâmica da empresa.
Talvez, essa seja a particularidade mais marcante das empresas familiares. O fato de que as relações familiares sobrepõem às empresariais e do negócio, na grande maioria dos cenários. Esse fator não quer dizer que seja ruim ou bom, adequado ou errado, mas sim é um elemento que impera e predomina, exigindo da consultoria atenção plena e constante, tanto no desenho da solução proposta, quanto na maneira de atuar.
A arte da consultoria frente as particularidades das empresas familiares
A habilidade da consultoria em facilitar essas Jornadas fará grande diferença nos resultados. Além de conceber uma solução que consiga atingir os objetivos identificados, terá que contemplar abordagens que permitam lidar com as relações familiares. Quando apontamos para essas relações, talvez, seja necessário destacar que situações poderão existir nas dinâmicas humanas durante uma Jornada. É muito comum haver conflitos na sociedade que, muitas vezes, é formada por marido e esposa, irmãos, ou pai/mãe e filho e/ou filha. Normalmente, a gestão da empresa ou a sociedade é formada pelos familiares. Esse fato muda muito quando comparamos com outras empresas já profissionalizadas, em que existe uma relação formal e baseada nas competências para as funções. Além da sociedade ser composta por membros da família, algumas posições-chave na empresa podem ser ocupadas por outros familiares também, como outros irmãos e, às vezes, parentes próximos. Esse cenário requer muita atenção na forma como a Jornada será conduzida, pois ela terá que conviver com essas relações nas dinâmicas e processos que serão estabelecidos e implementados.
Pode ocorrer, durante a Jornada, que as relações tenham mais valor e significado do que os objetivos e necessidades de transformação que são essenciais para o negócio e para a empresa. Não é sempre, no entanto poderão vir à tona durante o processo seguramente, em função de ocuparem um lugar de destaque, dependendo da forma que está constituída a cultura familiar da empresa. Portanto, é uma variável que deve ser levada em consideração na abordagem, plano e processos definidos. Além disso, os profissionais envolvidos e responsáveis pela facilitação das Jornadas nas empresas familiares deverão estar conscientes de serem flexíveis e atuarem, preferencialmente, de forma a incluir e não eliminar ou menosprezar as relações humanas tão marcadas e relevantes existentes nos membros da família que compõem a empresa. Claro que cada empresa é um cenário, no entanto o que se observa é que esse fator, seja em menor ou maior grau, está sempre muito presente nas empresas familiares.
Para exemplificar as diferenças mais predominantes entre uma atuação nas empresas familiares e nas empresas consideradas “já profissionalizadas”, geramos uma tabela que descreve as características categorizadas em 5 Dimensões. Essas dimensões foram definidas com base na abordagem Antroposófica de acordo ao arquétipo da Quadrimembração, contendo ajustes sutis. Usamos como base também os nossos aprendizados e experiências em Jornadas de Transformação nos cenários das empresas familiares. Apresentamos as características e particularidades de forma comparativa para, posteriormente, destacar e pontuar os principais desafios que são percebidos e enfrentados nas empresas familiares.
CARACTERÍSTICAS | ||
DIMENSÕES | Empresas Familiares | Empresas Privadas/Profissionalizadas |
---|---|---|
Identidade e Estratégia | A Identidade e a estratégia estão, normalmente, centradas no fundador/dono. | A Identidade e Estratégia, na sua maioria, está disseminada e comunicada aos colaboradores. |
Modelo de Gestão | O modelo de gestão está centralizado no fundador/dono, especialmente os dados e informações financeiras. O modelo não está bem formado na empresa. Existe pouca clareza das responsabilidades. | O modelo de gestão está mais instituído, no entanto nem sempre existe alinhamento e integração. Entretanto, o modelo atribui as responsabilidades de cada membro. |
Relações e Ambiente | As relações tendem a ser pessoais, menos profissionalizadas e o ambiente se torna muito informal. As hierarquias, quando existentes, não são respeitadas e aparentemente as relações são boas, no entanto os conflitos não são tratados. Existe o medo de “magoar” ou ofender o outro em detrimento de uma resolução coletiva | As relações tendem a ser mais profissionalizadas, tornando o ambiente mais sério e menos aberto, na maioria das vezes. Está muito baseado nas posições que cada um ocupa na empresa. Os conflitos podem não ser discutidos e nem tratados também, devido à formalidade e afastamento. |
Processos e Sistemas | Os processos quase sempre não existem e os sistemas são caseiros e/ou providos por fornecedores pequenos e médios com baixo nível de suporte e atendimento. | Os processos existem e estão formalizados. As vezes são exercidos na totalidade e/ou parcialmente. Os sistemas são mais integrados e providos por fornecedores mais qualificados e estruturados. |
Profissionais | Os profissionais são contratados e mantidos na empresa pelo tempo de casa e/ou pela confiança que demonstra aos donos/fundadores, não necessariamente pela performance, conhecimento e/ou desempenho. | Os profissionais são contratados com base nas suas experiências e conhecimentos, através de entrevistas formais e com critérios específicos. Recebem promoções e aumentos com base na performance, na maioria das empresas. |
Quais são os principais desafios enfrentados nas empresas familiares em contextos de Jornadas de Transformação?
Existem diversos desafios como em qualquer cenário de transformação, que podemos apontar, no entanto elencamos aqueles mais visíveis e notáveis que nos deparamos nas Jornadas das empresas familiares.
Podemos apontar como principais desafios:
- Dificuldade do dono de descentralizar e de desenvolver uma equipe de gestão forte e autônoma para tomar as decisões e operar a empresa, bem como compreender a necessidade e importância de disseminar a visão e estratégia que estão na “sua cabeça”. Esta centralização, normalmente, beneficia aqueles que tem acesso direto e já possuem confiança com o fundador/dono para obter e acelerar as decisões (protecionismos);
- Equipes de liderança pouco desenvolvidas e capazes de gerir pessoas e conduzir suas atividades sem supervisão direta dos donos/fundadores (causa que pode ser atribuída devido ao primeiro item dessa lista);
- Relações muito pessoais, o que dificulta a seriedade nos processos de mudança, bem como em prover e dar feedbacks transparentes e construtivos. Na maioria das vezes, os feedbacks são evitados para que as pessoas “não levem para o lado pessoal”. Este tipo de ambiente torna as relações pouco maduras;
- Os processos não são executados, pois os papéis e responsabilidades não estão declaradas e nem exercidas. As relações pessoais prevalecem. Os sistemas são de má qualidade e deficientes, com pouco integração e sem credibilidade por parte dos profissionais;
- Profissionais não são preparados para assumirem suas posições e desenvolvem a crença de que o tempo e dedicação à empresa é o que lhes dará promoções e bônus e/ou melhores salários.
Depois da análise comparativa e do apontamento dos principais desafios, podemos afirmar que, de fato, cada cenário é único e as necessidades serão distintas. Não podemos tratar da mesma maneira as empresas familiares e as já profissionalizadas. Embora os desafios, às vezes, possam parecer os mesmos, a maneira de superá-los e resolvê-los dependerá de uma abordagem diferenciada e uma solução customizada. A beleza de atuar em ambos cenários é ter o privilégio de aprender com cada um, desenvolvendo soluções e desenhando Jornadas aderentes às suas realidades na dosagem e medida certa.
Deixamos uma questão para que possa refletir após sua leitura: Será que estamos preparados para lidar com as complexidades humanas presentes nas organizações para conduzir e facilitar Jornadas de Transformação? Será que os desafios mais críticos relacionados às relações humanas estão presentes apenas nas empresas familiares? Não será que, em todas as corporações, o fator humano é o que gera maior complexidade e desafios nos processos de Transformação?